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23 de fev. de 2016


"Nove luas" é o oitavo álbum de estúdio dos Paralamas do Sucesso. Lançado em abril de 1996, a obra é uma daquelas jóias da música pop que se revelam ainda mais bonitas de perto, com seus sucessos radiofônicos convidando o ouvinte a um mergulho mais profundo. Os 20 anos desse trabalho bem que mereciam uma celebração à altura: uma edição especial em vinil, um show com o repertório na íntegra... Fica aqui a sugestão!

Há duas décadas, os Paralamas viviam um momento crucial. Após dois álbuns brilhantes, mas fracos do ponto de vista comercial ("Os grãos" e "Severino"), ninguém sabia o que esperar de Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone. Seria o fim daquela "usina de hits"? Assim como outras bandas importantes que surgiram na década de 1980, o trio viveu uma fase de dúvidas, mas também experimentou sonoridades e desenvolveu um forte laço com a nata do pop rock sul-americano, em especial Charly García e Fito Páez.

A volta às paradas de sucesso aconteceu em 1995, com o álbum ao vivo "Vamo batê lata". O trabalho vendeu em um dia o que "Severino" havia vendido em um ano! Um CD bônus com quatro músicas inéditas emplacou "Uma brasileira", parceria de Herbert e Carlinhos Brown com participação de Djavan, "Saber amar" e "Luís Inácio (300 picaretas)".

Nas palavras de Herbert, a banda buscava naquele momento a simplicidade pop. "Nove luas" foi um claro rompimento com os primeiros anos daquela década. "Os Paralamas vinham negligenciando esse lado [pop] há algum tempo. As músicas de 'Severino', por exemplo, partiam de conceitos. O resultado foram experimentos, não canções", detalhou o compositor em entrevista à Folha de S. Paulo na época do lançamento do álbum. "Ficamos cheios daquilo, queríamos fazer canções de novo. Cansei de trabalhar com computadores, voltei a tocar guitarra. O disco é muito simples. Não tem nada tocado por máquina. São canções que podem ser tocadas no violão", completou.

A tal simplicidade é notável nos arranjos e nas melodias, mas as letras de "Nove luas" são maduras e reflexivas. "Lourinha Bombril" abre o álbum de forma elétrica e questionadora. "A grande vantagem do Brasil é essa mistura da letra. Nada é tipicamente brasileiro", explica Herbert na mesma entrevista. 

Foto da contracapa de "Nove luas" (Crédito: Maurício Valladares)
"Lourinha Bombril" é um ska criado a partir do refrão de "Parate y mira", da banda argentina Los Pericos. A influência latina ainda aparece em "De música ligeira", versão para um sucesso do Soda Stereo. Anos mais tarde, o Capital Inicial também gravaria a canção com nova letra em português.

Com levada de mambo e coro de pastoras, considero "Outra beleza" a música mais estranha do álbum. Ela foi idealizada por Lulu Santos como um samba, mas ganhou contornos latinos na gravação. 

Questionamentos sobre amor, rotina e sentido da vida dão o tom a partir da romântica "La bella luna". As faixas começam a se comunicar sutilmente através de temas comuns ou imagens que remetem aos astros (lua, sol, planeta) e sonhos. 

A regravação de "Capitão de indústria", de Marcos Valle e Paulo Sergio Valle, originalmente tema da novela "Selva de pedra" (1972), alerta para o excesso de trabalho que consome nossas vidas. "Eu não tenho tempo de ter / O tempo livre de ser / De nada ter que fazer", diz a letra. Seremos eternamente gratos aos Paralamas pelo resgate dessa música linda. 

Foi nessa época que Herbert e Paulo Sergio Valle se tornaram amigos e posteriormente escreveriam juntos três músicas: “Se eu não te amasse tanto assim”, “Aonde quer que eu vá” e “Quando você não está aqui”.

"O caminho pisado" reforça o tom crítico de "Capitão de indústria": "Já é hora de vestir o velho paletó / Surrado / E caminhar sobre o caminho pisado / Que conduz rumo à batalha que / Inicia a cada dia / Conseguir um lugar p'rá sentar e / Sonhar na lotação / E é tudo igual, igual, igual..."

Em "Busca vida", temos a música que melhor define o álbum. Ela é a reflexão sobre alguém que deixou de sonhar ("desaprendeu a caminhar no céu") quando foi consumido pelo mundo materialista (dinheiro, contrato, terno e carro), mas quer reencontrar sua essência ao repetir uma estrofe que afirma o desejo de deixar a dor para trás.

Muitos fãs dos Paralamas associam a mensagem de "Busca vida" ao clássico "O pequeno príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry. O clipe, eleito o melhor do ano no Video Music Brasil, premiação da MTV, reforça a ideia.



Sobre "Na nossa casa", o crítico musical Jamari França lembra no livro "Paralamas do Sucesso - Vamo batê lata" que Herbert escreveu a canção impactado pela separação dos pais após 30 anos de casado. 

A despedida é a delicada "Um pequeno imprevisto", parceria de Herbert com Thedy Corrêa, cantor e compositor do Nenhum de Nós. O clima de desencanto reflete as mudanças internas que qualquer pessoa se depara na vida adulta.

Com mais de 600 mil cópias vendidas e 20 anos de história, "Nove luas" é um fenômeno difícil de se repetir no cenário atual. A indústria mudou, mas há sobretudo um desinteresse da grande mídia e do próprio público pelo pop de qualidade. Falamos aqui de poesia, existencialismo, diversidade cultural e desejo de libertação em canções que estão na memória afetiva de milhares de fãs. É possível apontar algo parecido produzido recentemente com impacto semelhante? Por isso vale aproveitar cada data marcante para celebrar a obra de Herbert, Bi e João. Vida longa aos Paralamas do Sucesso!

Músicas:
Lourinha Bombril(parate y mira) (Diego Blanco / Bahiano - versão: Herbert Vianna)
Outra beleza (Herbert Vianna / Lulu Santos)
La bella luna (Herbert Vianna)
De música ligeira(De Musica Ligera) (G. Cerati / Bosio - versão: Herbert Vianna)
Capitão de indústria
O caminho pisado (Herbert Vianna)
Busca vida (Herbert Vianna)
Caroço da cabeça (Herbert Vianna / Nando Reis / Marcelo Fromer)
Sempre te quis (Herbert Vianna)
Seja você (Herbert Vianna)
Na nossa casa (Herbert Vianna)
Um pequeno imprevisto (Herbert Vianna / Thedy Corrêa)

Produção: Carlos Savalla e Paralamas do Sucesso.
A imagem da capa é um quadro de Pedro Ribeiro, irmão de Bi.

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