:::: MENU ::::

30 de jan. de 2014

Essa história é muito conhecida entre os fãs dos Beatles e não faltam referências na internet. Relembrei nos últimos dias, quando reli uma antiga edição especial da revista Bizz sobre a banda, e acho que vale compartilhar aqui no blog.

Carlos Drummond de Andrade, um dos mais populares poetas brasileiros, criou versões em português para letras de canções que estão no álbum "The Beatles", o famoso "Álbum Branco", lançado em 1968. O encontro poético - podemos definir assim - de Beatles e Drummond foi publicado na conceituada revista Realidade, em março de 1969.

O tema da reportagem ainda era o lançamento do tão aguardado sucessor de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" e o poeta foi convidado para dar aquele brilho no texto. O espírito original das canções se mistura às sacadas poéticas de Drummond, uma ideia genial com resultado despretensioso. Tudo na medida certa.

A revista Veja, no entanto, foi mais rápida. Ela teve uma ideia bem parecida em dezembro de 1968. Algumas das novíssimas músicas dos Beatles ganharam traduções de Caetano Veloso, um dos jovens artistas que encabeçavam a explosão tropicalista naquele ano.

Primeiro vamos às versões de Drummond. Pessoalmente, gosto muito de "I will"/"Farei tudo", "Blackbird"/"Melro" e "Piggies"/"Porcos". Como John Lennon devia estar pra lá de alterado quando escreveu "Happiness is a warm gun", nosso poeta de Itabira, interior de Minas, não deixou barato na tradução livre e também abriu suas "porteiras" da percepção.

Clique nos títulos das músicas para ver as letras originais.

Realidade (março /1969)
Farei tudo / I will 
(John Lennon - Paul McCartney)
Tradução: Carlos Drummond de Andrade

Desde sempre te amei
e bem sabes que ainda te amo.
Devo esperar toda a vida?
Se quiseres — esperarei.

Se alguma vez te vi
nem sequer teu nome escutei.
Mas isso não faz diferença:
sempre a mesma coisa sentirei.

Eu te amarei por todo o sempre, sempre,
desde a raiz do meu coração
e te amarei quando estivermos juntos
Veja (dezembro / 1968)
e te amarei na solidão.

Quando finalmente te encontrar
tua canção envolverá o espaço.
Canta bem alto, para eu escutar.
Tudo farei para te dar o braço
pois tudo em ti me prende a mim.
Bem sabes que farei tudo
                                        tudo farei.

Melro / Blackbird
(John Lennon - Paul McCartney)
Tradução: Carlos Drummond de Andrade

Melro que cantas no morrer da noite,
com estas asas rotas aprende teu vôo
A vida toda
esperaste a hora e a vez de teu vôo.

Melro que cantas no morrer da noite,
com estes olhos fundos aprende a ver
A vida toda
esperaste a hora e a vez de ser livre.

Voa, melro, voa, melro,
para o clarão da escura noite.

Voa, melro, voa, melro,
para o clarão da escura noite.

Melro que cantas no morrer da noite,
com estas asas rotas aprende teu vôo
A vida toda
esperaste a hora e a vez de teu vôo
esperaste a hora e a vez de teu vôo
esperaste a hora e a vez de teu vôo.

A felicidade é um revólver quente / Happiness is a warm gun
(John Lennon - Paul McCartney)
Tradução: Carlos Drummond de Andrade

Até que essa garota não erra muito
oi  oi  oi  oi  oi  oi  oi  oi
Acostumou-se ao roçar da mão-de-veludo
como lagartixa na vidraça.

O cara da multidão, com espelhos multicores
sobre seus sapatões ferrados
descansa os olhos enquanto as mãos se ocupam
no trabalho de horas extraordinárias
com a saponácea impressão de sua mulher
que ele papou e doou ao Depósito Público.

Preciso de justa-causa porque vou rolando para baixo
para baixo, para os pedaços que deixei na cidade-alta,
preciso de justa-causa porque vou rolando para baixo

Madre Superiora dispara o revólver
Madre Superiora dispara o revólver
Madre Superiora dispara o revólver

A felicidade é um revólver quente
A felicidade é um revólver quente
Quando te pego nos braços
e meus dedos sinto em teu gatilho,
ninguém mais pode com a gente,
pois a felicidade é um revólver quente
                                                          lá isso é.

Obladi, obladá / Ob-la-di, ob-la-da
(John Lennon - Paul McCartney)
Tradução: Carlos Drummond de Andrade

Desmond tem um carrinho na Praça do Mercado.
Molly vocaliza num conjunto.
Desmond diz a Molly: Por teu rosto sou vidrado
Molly diz-lhe: O quê? e pega-lhe na mão.

Obladi, obladá, a vida continua: olá,
olalá, como a vida continua!
Obladi, obladá, a vida continua... Olá,
olalá, como a vida continua!

Desmond toma o ônibus, vai à joalheria
compra anel de ouro de ofuscar
e leva-o a Molly, que espera junto à porta.
De anel no dedo, eis Molly a cantar.

Em um par de anos terão construído
um lar bacana doce que nem cana.
Um par de garotos corre pelo pátio
desse casal unido.

Olha Desmond feliz na Praça do Mercado.
Ao lado, os molequinhos ajudando.
Molly ficou em casa se enfeitando
e à noite ainda canta no conjunto.

Olha Molly feliz na Praça do Mercado.
Ao lado, os molequinhos ajudando.
Desmond ficou em casa se enfeitando
e à noite ela ainda canta no conjunto.

E se querem se divertir, obladi, obladá!

Porcos / Piggies
(George Harrison)
Tradução: Carlos Drummond de Andrade

Viste os porquinhos
rebolando na imundície?
Para todos os porquinhos
a vida está cada vez mais difícil
e brincam sempre na sujeira por aí.

Viste os mais taludos porquinhos
em suas engomadas, alvíssimas camisas?
Olha os mais taludos porquinhos
em algazarra na imundície
com camisas alvíssimas a folgar por aí.

Em seus chiqueiros, plenamente protegidos,
ao que vai por aí nem ligam.
Nos olhos deles falta uma coisinha:
precisam mesmo é de suma porcaria.

Por toda parte há muitos porquinhos
vivendo suas porquinhas vidas.
Podes vê-los para o jantar saindo
com suas porquinhas mulherinhas
de garfo e faquinha para comer presunto.

E por que não aqui na estrada? / Why don't we do it in the road? 
(John Lennon - Paul McCartney)
Tradução: Carlos Drummond de Andrade

E por que não aqui na estrada?
Não há ninguém para ver nada
E por que não aqui na estrada?

Caetano Veloso e Drummond em momentos descontraídos. O artista baiano observa o LP "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles

Agora vamos às versões de Caetano Veloso. Chama a atenção a nota do próprio compositor sobre uma das traduções. "'Dear prudence' foi propositalmente adaptada para uma linguagem gagá brasileira porque eu acho que fica engraçado", escreveu naquela edição da Veja.

Cara prudência / Dear Prudence
(John Lennon - Paul McCartney)
Tradução: Caetano Veloso

Cara Prudência, vais ficar em casa
Não vens saudar o novo dia em brasa?
O sol no alto, o céu azul
Tudo isso e belo e bela és tu
Cara Prudência, vais ficar em casa?

Cara Prudência, abre os olhos teus
Abre-os e vê ensolarados céus
Os passarinhos cantando, o vento mudo
Dizem que tu de parte de tudo
Cara Prudência, abre os olhos teus.

E olha em torno de tudo
Tudo em torno
Tudo

Cara Prudência, quero ver-te rindo
O teu sorriso de criança, lindo.
Nuvens de margaridas surgirão
Por que não me sorri de novo, então?
Cara Prudência, quero ver-te rindo.

Porquinhos / Piggies
(George Harrison)
Tradução: Caetano Veloso

Você já viu os porquinhos
Rastejando na lama
Para todos os porquinhos
A vida vai piorando
Sempre tendo a lama como cama.

Você já viu os grandes porcos
Em camisas engomadas
Você sempre os achará
Revolvendo a lama
Camisas limpas sempre como cama.

Nos seus chiqueiros tão bem amparados
Eles não ligam ao que se passa em torno
Alguma coisa falta nos seus olhos:
Eles precisam mesmo de um bom soco.

Por toda parte há um montão deles
Vivendo vidas porcas.
Pode-os vê-los saindo pra jantar
Com suas esposas porcas, juntos
Agarrando garfos e facas para comer o seu presunto.

Pássaro preto Blackbird
(John Lennon - Paul McCartney)
Tradução: Caetano Veloso

Pássaro preto que canta no preto da noite
Toma estas asas quebradas e aprende a voar
Toda a tua vida
Esperaste por este momento para levantar.

Pássaro preto que canta no preto da noite
Toma estes olhos vazados e aprende a voar
Toda a tua vida
Esperaste por este momento para ser livre.

Pássaro preto pássaro preto voa
Para dentro da luz da escura noite preta.

Pássaro preto que canta no preto da noite
Toma estas asas quebradas e aprende a voar.

Por que a gente não faz na estrada mesmo? Why don't we do it in the road? 
(John Lennon - Paul McCartney)
Tradução: Caetano Veloso

Por que a gente não faz na estrada mesmo?
Ninguém vai olhar pra gente.
Por que a gente não faz na estrada mesmo?

Sexie Sadie
(John Lennon - Paul McCartney)
Tradução: Caetano Veloso

Sexie Sadie, o que foi que você fez!
Você fez todo mundo enlouquecer
Você fez todo mundo enlouquecer
Sexie Sadie, o que foi que você fez!

Sexie Sadie, você quebrou as regras.
Abriu o jogo pra todo mundo ver
Abriu o jogo pra todo mundo ver
Sexie Sadie, você quebrou as regras.

Num dia de sol, o mundo à espera de uma amante.
Ela veio para deixar todo mundo ligado
Sexy Sadie, a maior de todas elas.

Sexie Sadie, como você soube!
O mundo só esperava por você
O mundo só esperava por você
Sexie Sadie, como você soube!

Sexie Sadie, você vai entrar na sua
Você é mais bacana do que pensa
Você é mais bacana do que pensa
Sexie Sadie, oooh você ainda vai entrar na sua.

Nós lhe demos tudo o que tínhamos só para sentar à sua mesa.
Um sorriso bastaria para iluminar a terra inteira
Sexy Sadie, ela é a última e maior de todas elas.

Ela fez todo mundo enlouquecer
Sexie Sadie.

Você é mais bacana do que pensa
Sexy Sadie.

Todo mundo tem alguma coisa a esconder menos eu e meu macaco / 
Everybody got something to hide except for me and my monkey
(John Lennon - Paul McCartney)
Tradução: Caetano Veloso

Vem vem ver, vem vem ver
Vem é bom de ver
Vem é bom de ver
Vem devagar
Devagar devagar
Todo mundo tem alguma coisa a esconder menos eu e meu macaco.

Quanto mais fundo você vai mais alto você voa
Quanto mais alto você voa mais fundo você vai
Vem vem ver, vem vem ver
Vem é bom de ver
Vem é bom de ver
Vem bem devagar
Vem bem devagar
Vem devagar devagar.
Todo mundo tem alguma coisa a esconder menos eu e meu macaco.

O lado de dentro é o lado de fora
O lado de fora é o lado de dentro

Vem vem ver, vem vem ver
Vem é bom de ver
Vem bem devagar
Vem bem devagar
Vem devagar devagar.
Todo mundo tem alguma coisa a esconder menos eu e meu macaco.

0 comentários: